População e Sociedade (Oporto), núm. 18, 2010

Por Maria da Conceição Meireles Pereira.
A constatação do atraso em que se encontravam os estudos de história da historiografia em Espanha suscitou a criação da editora Urgoiti que é, simultaneamente, um projecto científico, dirigido por especialistas na matéria, e um editorial. O seu catálogo integra historiadores desde meados do século XIX (inícios do entendimento de História como um saber cientificamente conduzido) até cerca de 1975, incluindo cada edição um profundo estudo preliminar que não se debruça exclusivamente sobre a obra específica que se publica, mas também sobre a vida do autor, a sua obra e metodologias históricas, o seu magistério e influências excercidas. Além deste prólogo fecundo de erudição e da obra escolhida –geralmente uma das mais importantes do historiador em causa–, são ainda facultados ao leitor-investigador uma utilíssimo índice onomástico e uma relação exaustiva da bibliografia do autor.
Tal projecto editorial transcende a mera reedição e dá à estampa novas edições críticas com estudos que rondam a centena de páginas, atíngindo, em alguns casos, as duas centenas e meia, e empreende uma selecção tão representativa quanto possível de historiadores, abarcando as mais diversas áreas temáticas (da arqueología à contemporaneidade), bem como de diversos quadrantes ideológicos. A título de exemplo, refirase que, também em 2009, foi publicada a obra Historia de la Revolución francesa do grande Emilio Castelar, com estudo preliminar da autoria de Francisco Villacorta Baños. Mas outros textos clássicos da historiografía espanhola foram resgatados, nomeadamente de autores como Modesto Lafuente, Cánovas del Castillo, Adolf Schulten, Juan Valera, Jesús Pabón, ou José Antonio Maravall, como o nobre objectivo de lançar a base sobre a qual se poderá construir a história da historiografia do país vizinho.
Feita a apresentação desta colecção dirigida por Ignacio Peiró Martín, a todos os títulos ejemplar, detenhamo-nos sobre o seu vigésimo número que elegeu um vulto incontornável da cultura portuguesa –Oliveira Martins– e uma das suas obras mais emblemáticas –Historia da Civilização Ibérica– que, na opinião de Unamuno, «debería ser un breviario de todo español y de todo portugués culto».
Esta reedição académica escolheu o texto da primeira ediçãao castelhana realizada por Luciano Taxonera em 1894 por uma série de razões entre a qual avulta o facto de ter sido revista pelo autor que introduziu algumas correcções e ampliações ao texto original português (1879) que constituiu a 3ª edição, de forma que esta pode considerar-se a versão definitiva já que Oliveira Martins morreu no ano de 1894; como as edições castelhanas posteriores se fizeram sobre a original portuguesa perderam-se as correcções e adendas do autor.
O estudo preliminar em boa hora entregue a Sérgio Campos Matos –desde há muito estudioso da historiografia portuguesa e investigador particularmente atento á obra de Oliveira Martins e matérias afins ao iberismo e hispanismo– intitula-se “Una perspectiva peninsular y transnacional sobre España y Portugal”. A abordagem assim formulada revela uma pertinente operacionalidade na análise do pensamento martiniano, vivivelmente empenhada em salientar a repercussão desta obra nos meios intelectuais portugueses e espanhóis, mas também americanos, até aos inícios do século XX; em demonstrar a perspectiva innovadora de olhar o passado centrada nos grandes processos civilizadores, constituindo a primeira –e até hoje única– tentativa de uma história geral integrada da Península Ibérica, gerando conceitos como “civilização ibérica” e “génio peninsular” que acentuavam o que havia de comum entra os dois países em termos históricos e culturais sem, contudo, deixar de manter em primeiro plano o tópico de nação, numa asserção organicista; em evidenciar as também pouco vulgares, à época, precauções críticas relativamente ao historicismo alimentado por sentimentos pastrióticos e teleologias sociais. Desta forma, Sérgio Campos Matos adverte desde logo para o extenso conhecimento de Oliveira Martins sobre a história peninsular (apoiado em leituras que se alargavam aos historiadores franceses, alemães, britânicos e hispanistas americanos), bem como para a necessidade de se compreender esta obra no seu amplo contexto de produção, sendo o primeiro de uma série de volumes que pretendiam constituir uma Biblioteca de Ciências Sociais, representativa dos saberes das ciencias humanas, então em formação; este ambicioso proyecto de sua exclusiva autoria a que Martins dedicaria anos (entre 1879 e 1885) seria composto por quatro secções: civilização, pré-história, história e economia social.
Após a introdução, o estudo distende-se por seis pontos que visam auma concatenação do discurso. “Oliveira Martins en su tiempo” articula o intelectual com o seu relacionamento intelectual e afectivo como os maiores vultos da intelectualidade espanhola, aliás comprovado pelo abundante espólio de correspondência conservada na Biblioteca Nacional de Lisboa, estão patentes em “Oliveira Martins y España”. De salientar ainda, neste capítulo, o inevitável tema do iberismo, tratado com rigor e discernimento críticos.
La “Historia de la civilización ibérica en las culturas históricas peninsulares” é um dos pontos cruciais deste estudo preliminar já que insere a obra no contexto da produção do autor; establece comparações como vários autores peninsulares e suas teorias; explicita o conceito de “civilização” no conspecto dos estudos realizados no seio das escolas historiográficas francesa e espanhola; reflecte sobre as noções/sentimentos de decadência e heroísmo; esclarece os objectivos do autor em distinguir Portugal, a sua história, povo e nação Numa perspectiva que privilegia a unidade de civilização e a diversidade nacional; analisa as indagações martinianas sobre a originalidade da civilização ibérica e o “génio peninsular”.
Complementarmente, avalia a ampla recepção da obra (ponto IV) quer pela elite intelectual portuguesa –evidenciando algumas “leituras” que a conotavam de iberista– quer pela espanhola, esta particularmente enaltecedora.
O ponto V apresenta um estudo criterioso das edições na Península Ibérica e fora dela (Peru, Argentina e México na América Latina; Londres e Nova Iorque no mundo anglo-saxão), estudo esse que se completa no ponto seguinte e último, “Para una arqueología de las traducciones”, que culmina um préfacio de leitura imprescindível a uma compreensão mais cabal do pensamento de Oliveira Martins.

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